
Quem me contou foi o Alisson Martinelli, colega do Colégio São José. Não sei se alguém aumentou, se aconteceu desse jeito, ou se virou história de corredor. Só sei que, na minha cidade, isso ganhou nome e sobrenome: a fita maldita.
1995. No Shopping Talita, na Rua Talita Bresolin em Apucarana-PR, tinha uma locadora que misturava VHS de capa desbotada com jogos de Nintendinho. O dono era um tiozinho de meia-idade, cabelo penteado pra trás, educado, sempre com chaveiro pesado no cinto. Entre as caixas plastificadas, uma chamava atenção: cartucho sem etiqueta, só um adesivo branco amarelado com uns ideogramas rabiscados à caneta. O pessoal apelidou de “a fita japonesa”.
A lenda começa quando três garotos diferentes, em semanas próximas, alugam essa fita. E o mesmo roteiro repete com variações: o jogo roda, a tela pisca, o console apaga. Com dois deles, sobra até conjuntivite.
1) Léo, o Turbo Game e a sala da vó
O Léo levou num sábado cedo. Tinha um Turbo Game na casa da avó: TV de tubo pequena, RF no canal 3, fio preso com durex. Ligou. A música começou estranha, uns piscas fortes na abertura, personagem quadradão. Vinte minutos e o videogame apaga. Cheiro de verniz quente no ar. A TV ficou ligada, chiando. O console, nada.
No domingo, o Léo aparece no campinho com olhos vermelhos. Diz que é alergia. À noite, a mãe leva no médico: conjuntivite. Ele fala que ficou coçando o olho porque a tela dava uns flashes e a vó deixou a sala no escuro. A fita volta pra locadora na segunda, sem escândalo. Mas o boato já pegou: “queimou o Turbo Game da vó”.
2) Nando, o Phantom System e o estalo
O Nando é mais certinho. Tava com um Phantom System do primo emprestado — aquela fonte com chave 110/220 que sempre rende história. Confere tudo, liga. Pega de primeira. O jogo tem fase aquática, vilão repetindo padrão, beleza. Depois de uns trinta minutos, um estalinho seco e… puf. Apagou. A TV dá uma tremida e volta pro chiado do canal 4.
No dia seguinte o Nando também amanhece com um olho inflamado. “Deve ser o pó da casa”, ele arrisca. A família leva o console no técnico. O cara abre, resmunga de regulador de tensão torrado e pino torto no cartucho que pode ter dado curto. Pode ser. Pra gente, na rua, virou oficial: “a fita que mata console”.

3) Tiaguinho, a sala da frente e a interferência
O Tiaguinho era o teimoso da turma. Ligou o Dynavision na sala da frente, dois amigos do lado, janela aberta. Ele tinha teoria: “ventilando não estraga”. Rodou uns quinze, vinte minutos. A imagem começou a puxar pro verde, surgiram linhas horizontais, a TV quase muda de canal sozinha. No meio do barulho, ele jura que ouviu narrador de futebol do vizinho “vazando” por cima da música. Interferência braba no RF. Logo depois, apagou. O pai dele chegou, olhou a fiação e decretou: “isso é rede cansada”.
O Tiaguinho escapou da conjuntivite. Mas ficou com a fama de ter visto a TV “pegar o vizinho” antes de morrer.
Depois da terceira, o tiozinho tirou a fita da prateleira. Falou que ia limpar contato, que precisava ver oxidação, que a turma enfiava cartucho à força. Verdade é que a fita sumiu. Uns dizem que foi pro lixo numa sacola preta. Outros juram que ficou atrás do balcão. Ninguém alugou mais.
A locadora fechou meses depois. Disseram que o shopping tava fraco, que VHS já não pagava as contas, que o tiozinho cansou. A fita virou folclore. A versão mais repetida era a do lote estranho: caixa comprada em leilão de carga, procedência nebulosa, meio sem etiqueta, metade com letra japonesa. Sempre tem alguém que “viu” a tal fita depois numa feirinha, dentro de uma caixa azul, cercada de controles de segunda.
Três anos depois, correu a notícia: o dono faleceu. Sem nota no jornal, sem muito detalhe. E a fita? Nunca mais.
Eu, quando ouço “vamos testar esse cartucho”, faço o checklist dos sobreviventes dos 90: confiro a fonte, vejo se não tá em 220, olho o RF, deixo luz acesa, sinto o cheiro. Piscou demais, parou. Cheirou a verniz, desliga. E se alguém me aparece com um cartucho sem etiqueta, letras em japonês, prometendo “jogo raro”… eu passo a vez. Não por medo. Por respeito à história que todo mundo jura que não é verdade — até a TV puxar o vizinho e o console apagar na nossa frente. Viva os Anos 90 e suas histórias.











