Muito à frente de seu tempo, Ninja Gaiden influencia até hoje a indústria dos games com suas cutscenes épicas, da mesma forma com que apresenta sua alta dificuldade responsável por milhares de joysticks quebrados ao redor do mundo.
Meu contato com esse game aconteceu tardiamente, lá pelos idos dos anos 2000. Joguei essa pérola no cartucho Ninja Gaiden Trilogy, lançado para Super Nintendo e que trazia a trilogia original do Nintendinho com uma leve melhoria de cores e músicas. Há quem diga que houve uma diminuição discreta da dificuldade, porém não posso confirmar, já que na época eu já achava o desafio insano e não consegui avançar muito no game.
Não sei ao certo o porque de nunca ter me deparado com o jogo em 8-bit, mas graças aos emuladores pude enfim ter contato com essa obra-prima em sua forma pura. E de lá pra cá se foram mais de 20 anos, e inúmeras tentativas de terminar esse game, mas todas sem sucesso.
Até que, recentemente, resolvi sentar e tentar resolver essa treta que me acompanhava como uma mancha na minha trajetória como jogador…mas essa história contarei logo mais. Vamos primeiramente viajar um pouco por tudo que envolve este clássico jogo de Ninja dos anos 80!
Act 1 – Você realmente sabe o que é um Ninja?
No fim dos anos 80 tivemos uma overdose do que podemos chamar de “ninjamania”: filmes, desenhos animados, jogos, quase toda indústria do entretenimento embarcava na onda desses “homens mascarados e suas espadas”.
Mas o que víamos era a visão daquilo que os americanos enxergavam como “ninjas”: Super-herói, com habilidades de se esconder e agir nas sombras, utilizando armas e técnicas de artes marciais aliadas a uma máscara que escondia sua verdadeira identidade. Tudo isso estava longe do que realmente eram os ninjas.
Historicamente, um ninja era um mercenário do Japão feudal, visto pela sociedade da época como alguém sem honra. As funções do ninja incluíam espionagem, sabotagem, infiltração, entre outras coisas. O combate aberto era utilizado em determinadas situações. Bem diferente da visão que estamos acostumados, não é mesmo?
O caminho para criação do jogo
O conflito de visões sobre um mesmo personagem pairou sobre a Tecmo, produtora de jogos que em 1988 desejava embarcar nessa onda, mas estava preocupada em como iria agradar o público ocidental e oriental. Coube então a Hideo Yoshizawa a missão extremamente complicada de criar um jogo para o Nintendinho que atendesse a gregos e troi…ops, quer dizer, americanos e japoneses.
E daí surgiu a ideia de colocar o protagonista do jogo em uma aventura no contexto contemporâneo, com uma trama policial e preservando elementos culturais do Japão feudal. Como exemplo, temos as criaturas monstruosas que nosso protagonista precisa descer a espada ao longo da trama.
Surgiu assim Ninja Gaiden (conhecido no Japão como 忍者龍剣伝 — “Ninja Ryuukenden” — traduzido livremente como “a lenda da espada do dragão ninja”), jogo de plataforma lançado pela Tecmo em dezembro de 1988 para o Famicom no Japão, chegando aos Estados Unidos em março do ano seguinte e na Europa em agosto de 1991. Lá, o game teve seu nome modificado para “Shadow Warrior”.
Act 2 – O enredo de um clássico!
A história deste game é bem complexa, mas ela tem seu plot principal na seguinte premissa: O nosso herói Ryu Hayabusa é o último membro descendente de um clã ninja, os quais são detentores da “espada do dragão”. Um belo dia, ao entrar em seu quarto, Ryu encontra uma carta deixada lá alguns dias atrás por seu pai, chamado Ken Hayabusa, que havia desaparecido e acabou sendo morto em um duelo apresentado na cena introdutória do jogo (que diga-se de passagem, é uma cena épica!).
Na carta, Ken pedia que, caso não retornasse vivo, seu filho Ryu fosse aos Estados Unidos procurar um arqueólogo chamado Walter Smith.
Imaginado que o pior havia acontecido, o jovem Hayabusa jura vingança a quem quer que tenha tirado a vida do seu nobre pai, pega suas coisas, sua espada, e sai para os EUA em busca do Sr. Smith. Após ir ao encontro do Arqueólogo, muitas aventuras acontecem com nosso Ninja, e uma trama bem complexa para os padrões do Nintendinho começa a se desenvolver.
Se olharmos para as produções da época, Ninja Gaiden trouxe um conceito que ainda era pouco aprofundado em jogos eletrônicos: mesclar um jogo bem produzido com uma trama profunda e bem detalhada.
Não que ela seja inovadora, mas fazer isso em um console de 8-bit utilizando cutscenes cenográficas ainda hoje é espantoso e magnífico. Por isso, sugiro a você que assista a esse vídeo que compila todas partes que contam a história desse clássico.
Act 3 – Trilha sonora
Temos em Ninja Gaiden uma das melhores trilhas sonoras de sua geração. Carregado do estilo oitentista em sua clássica melodia chiptune, suas músicas estão facilmente entre as melhores trilhas de jogos de todos os tempos.
O game mostrou que era sim possível compor músicas bem elaboradas dando sentido à aventura, apesar da limitação de hardware que o Nintendinho possui. Quando você está assistindo as cutscenes, você observa um certo clima de suspense noir semelhante às obras de Alfred Hitchcock.
Mas logo depois da fase se iniciar, um ritmo frenético toca ao fundo, motivando você a levar nosso ninja aos níveis mais altos desse jogo. Simplesmente fantástico! Méritos ao programador Keiji Yamagishi, que fez das limitações de hardware um combustível para usar sua criatividade e compor essa obra-prima sonora.
Fiquem com essa trilha maravilhosa do ato 4-2, chamada “Umbreakable Determination“. Pra mim, a melhor música do game!
Act 4 – O Game Design que move o Ninja
Ninja Gaiden surgiu em um período da história dos jogos eletrônicos no qual a vanguarda era o side-scrolling. E esse sistema de jogo casou perfeitamente com a proposta que seria apresentada nesse título, bebendo em uma fonte na qual outros títulos já haviam se fartado, a exemplo do clássico Castlevania, com power-ups espalhados pelo cenário, armas secundárias para aprimorar as habilidades do nosso herói e dificuldade que beira a insanidade.
E não poderia faltar aquele que é o terror de todo jogador de Ninja Gaiden: o lançamento do personagem toda vez que ele é atingido. Semelhante ao Castlevania, quando isso acontece a morte é praticamente certa, pois haverá um lindo e belo buraco sem fim lhe esperando de braços abertos.
Gameplay
Ninja Gaiden é, pra mim, um jogo de ritmo (você se lembrará disso quando jogar). Não pense que estou me referindo a um Just Dance da vida, nada disso. O jogo te induz a correr desenfreadamente pelo cenário, exigindo que o jogador aprenda o timming perfeito do golpe de espada para eliminar cada um dos inimigos da tela, caso contrário, você irá sofrer, e sofrer.
Os pulos são simples e com um nível de precisão muito bom, e a possibilidade de se prender na parede será usada à exaustão, já que nosso ninja não escala superfícies verticais (a não ser que haja uma escada no local).
Além disso, para subir por lugares altos você terá que se agarrar a uma parede, pular dela para uma plataforma ou para outra parede oposta. Você que jogou sabe do que estou falando, e se não jogou, prepare-se, pois essa habilidade será muito útil no decorrer do gameplay. As fases se dividem em atos, sendo seis ao todo, alguns com sub-fases aumentando o número de cenários a se vencer.
Power-ups
Ryu pode adquirir algumas armas secundárias para lhe auxiliar em sua jornada. Temos as populares “estrelas ninja”, que variam entre uma estrela normal e outra que funciona como bumerangue. Há também habilidades de “ninjutsu” que permitem o uso de bolas de fogo, escudo de fogo, além de um ataque giratório com a espada que causa danos gigantescos nos chefes.
Tudo isso é possível desde que você tenha munição, que é coletada ao longo das fases nos mesmos lugares onde se adquirem as armas. Tais munições podem estar em bolas, lamparinas, velas e até em pássaros! O jogo dispõe de raros potes que restauram uma parte de seu medidor de energia, e não conta com vidas extras espalhadas pelo cenário.
Act 5 – O que separa os homens dos meninos: a dificuldade!
A dificuldade ganha um destaque especial. Conhecido por ser um dos jogos mais difíceis já feitos, Ninja Gaiden usa e abusa de elementos que colocam no seu coração a maior raiva que você poderá sentir de um jogo de videogame.
Começamos com uma dificuldade bem moderada, na qual a primeira fase funciona como um pequeno tutorial de como as mecânicas do game funcionam: você aprende a pular, atacar, coletar power-ups, tudo de forma bem fluida. Mas à medida que você vai avançando, as coisas vão ficando cada vez mais complicadas.
O número de inimigos aumenta, águias aparecem voando de todos os lados, soldados correm e pulam por todos os cantos, seres não identificados te esperam abaixados e te atacam incansavelmente quando você se aproxima, e o mais irritante: o respawn de inimigos. Aí é sacanagem. Você luta com uma horda de inimigos, vai derrotando cada um aos trancos e barrancos, mas se você resolver voltar somente um passo pra trás, já era.
Como em um passe de mágica, aquele soldadinho que você acabou de matar ressurgirá bem na sua frente, lhe acertando e provavelmente lhe atirando em um buraco do infinito. E junto com o ninja, sua paciência também vai pro buraco.
Por isso, a melhor forma de se jogar é correndo praticamente sem parar, pra evitar que um inimigo que você acabou de matar ressurja novamente. E adianto: morrer será algo constante enquanto você joga. Mas não se preocupe, pois o game possui continues infinitos (ufa!). Cabe somente a você a tarefa de se superar, aprender o ritmo do jogo e acabar com Jaquio no final.
Act 6 – The end?
Ninja Gaiden é, sem dúvidas, um dos melhores jogos de todos os tempos. Trouxe elementos que ditaram o caminho a se seguir na indústria dos games, aliando uma jogabilidade sensacional com uma história profunda contada através de cutscenes. E apesar da dificuldade, Ninja Gaiden consegue divertir qualquer um que se proponha a jogá-lo. O game possui duas continuações, mas que abordaremos em outro momento.
E por falar em terminar, lembram que resolvi tentar enfim chegar ao fim desse clássico? Pois bem. Liguei o Nintendinho e comecei a treinar incansavelmente, morrendo inúmeras vezes, até que consegui chegar a um ponto em que Ryu desfilava pelas fases sofrendo pouquíssimos danos. Cheguei ao último Boss e venci sua primeira forma. Apanhei muito para a segunda forma do chefe final, mas consegui desenvolver um método e o derrotei!
Nesse momento eu me tremia, não acreditava no que tinha feito, mas logo a tela muda e vem o derradeiro desafio. Porém, minha determinação falou mais alto, consegui dar o golpe final e encerrar esse capítulo que me atormentava! Venci! Os olhos marejaram, as cenas finais são lindas, e ver Ryu juntamente com a garota, abraçados vendo o por-do-sol, valeu a pena. Enfim, mais de 20 anos de tentativa se findavam ali. E o desejo de partir para o segundo título me tomou, mas isso é papo pra outra hora.
A você que chegou até aqui, muito obrigado. Esse é um texto simples, mas que marca o início de um desejo de garoto: poder escrever sobre os joguinhos que me fascinam. Em breve retornaremos com mais clássicos pra vocês! Até mais!