“Aqui por estas bandas há uma lenda…sobre um motoqueiro dos mais cruéis, dos mais valentões, cabra-macho no volante, dos que não leva desaforo para casa, realmente demolidor – seu nome é Ben ‘Whatsisname”
Algum tempo atrás, Adrian Ripburger – um executivo beberrão de vinho branco, metido a gente fina, que anda de cima para baixo com sua limusine – tentou assumir o controle da Corley Motors, fabricante da mais recente motocicleta americana.
Ele achou que poderia armar uma cilada para Ben, incriminando-o de assassinato durante o processo. Afinal, Ben estava com sua moto arruinada, tinha a polícia à sua procura, sua gangue na cadeia e sua foto num show de TV sobre os Mais Procurados na cidade de Corville.
Mas nada disso podia deter Ben – e não deve deter você também, enquanto o estiver ajudando a sobreviver a uma de suas aventuras mais complicadas. Conquiste seu espaço no meio das gangues de motoqueiros rivais, como os Rottwheelers, os Vultures e os Cavefish. Aproveite todas as brechas e bata um papo esperto com caminhoneiros de segunda classe. Monte rapidamente em sua máquina, empine a roda da frente e deixe seus inimigos para trás comendo poeira.
Mas dirigir moto e bancar o briguento não era o bastante para tornar Ben um motoqueiro de primeira – Ben também era cabeça. Às vezes, você se encontrará em situações onde a força bruta não resolverá o problema. Seja paciente, pratique fraude e roubo – oh, desculpe-me, negócios e – humm – empréstimos de objetos – e conseguirá sair das maiores dificuldades. E se todos os recursos falharem, chute e esmurre para valer!
Se você reconhece este texto, você jogou um dos melhores adventures já feitos na história: Full Throttle. Do mesmo criador de Day of Tentacle – Tim Schafer, o adventure foi lançado em 30 de abril de 1995 pela LucasArts. Por aqui, o game foi publicado pela Brasoft com legendas e manual em português com excelente qualidade, além de contar com uma adaptação muito bem localizada ao nosso idioma (só o subtítulo que ficou meio Sessão da Tarde: Full Throttle – Uma aventura Heavy Metal).
A introdução dessa aventura revela uma discussão entre Malcolm Corley e Adrian Ripburger sobre o desejo deste em assumir o lugar na presidência da Corley Motors, última fabricante de motocicletas do país (e pura inspiração da Harley Davidson!), e também sobre uma nova ideia de Adrian a ser apresentada na reunião anual de acionistas e, para tal feito, deseja contratar motoqueiros para uma escolta até o local da reunião de forma que a companhia seja bem vista ao interagir com seus “verdadeiros clientes”.
O velho Corley brinca dizendo que ‘Rip’ não conhece os seus clientes, pois nunca pilotou uma moto antes, e este, por sua vez, se justifica, meio sem jeito, dizendo que tem problema de ouvido interno. Por fim, o presidente (e veterano motoqueiro) replica que “não são os ouvidos que o assusta, e sim, o que tem entre eles!”.
A partir daqui, um riff de guitarra sobe (The Gone Jackals, “Legacy”) e uma gangue de motoqueiros surge ao horizonte. São os The Polecats. Uma moto passa literalmente por cima da limusine e destrói o ornamento de anjo do capô. O velho Corley entra em êxtase ao relembrar seus tempos de poeira e asfalto e decide, então, seguir os motoqueiros para conhecê-los e bater um papo sobre os tempos dourados…
Nesse momento, somos bombardeados com takes e ângulos de câmera nunca antes visto em um jogo do gênero, mesclando animação 2D com CG, enquanto o título e créditos da equipe são apresentados bem no estilo Easy Rider.
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Depois de um tempo esperando na limo hovercraft , Ripburger sai do carro, entra no bar e faz ao líder da gangue The Polecats uma proposta de serviço de escolta até o local da reunião anual de acionistas e que, claro, foi rejeitada prontamente por Ben, mesmo estando a gangue com problemas financeiros (“Os Polecats não são capangas de ninguém”).
Nesse momento, Ripburger, de forma premeditada, apela para o sentimentalismo e anuncia que “esta escolta seria um dos últimos desejos do velho Corley”, que fica obviamente uma fera! Então, Ben, com toda sua frieza, convida o executivo para uma conversa lá fora a respeito da condição de saúde do presidente da Corley Motors, e ídolo para os motoqueiros.
Adrian faz, portanto, novamente a proposta, que é negada firmemente pelo líder da gangue. E, BAM! A moto de Ben é roubada e você acorda na caçamba de lixo na pele do motoqueiro mais carrancudo dos games. É aqui que nossa aventura heavy metal começa com gasolina, poeira e aço.
CENAS INESQUECÍVEIS
A primeira é a “dica de beleza” de Ben e o barman do Kickstand (Quohog), logo após ter acordado na caçamba “Sabe o que ia ficar mais bonito no seu nariz?”
A segunda é a cena de Ben e Miranda onde falam da emboscada e a repórter, com sua voz quase irritante, solta: “Ambush! Really? Where!?”. Juro, esse “ambush” reverbera até hoje em meus ouvidos.
As cenas a partir daqui serão somente lembradas pelos persistentes no adventure. Como não ficar apaixonado com esta pintura, onde a Corley Motors, ao horizonte, aparece refletida nos óculos, que escondiam toda raiva e vontade de esmurrar aquele cujo desejo é transformar a última fabricante de motos do país em uma fábrica de mini-vans!
A próxima na lista é a sequência, onde nosso motoqueiro “dá uma volta” no balconista dos souvenirs para conseguir os coelhinhos amarelos e, assim, atravessar o campo minado rumo ao esconderijo dos Vultures ao som de “Cavalgada das Valquirias”, de Richard Wagner. Que momento!
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Full Throttle: Uma Aventura Heavy Metal possui dezenas de outras passagens memoráveis, mas ficamos com estas cinco para não darmos dicas demais para quem nunca jogou.
A jogabilidade é de um adventure point-and-click, porém em algumas telas o jogo pede um pouco mais de ação, como as cenas estilo ‘Road Rash’ com Ben pilotando sua Corley e dando porrada nos Rottwheelers (mas não nos Cavefish…)
O visual continua incrível se você jogá-lo hoje. O gráfico clássico dos adventures, com uma pitada de 3D na medida certa – sem forçar a barra – não envelheceu nada!
LISTA DE CURIOSIDADES
1. Os personagens Adrian Ripburger, Emmet (o caminhoneiro que brinca com a faca no Kickstand) e Todd Newlan (o red-neck que Ben nocauteia) são todos narrados por Mark Hamill. O dublador de Ben, Roy Conrad, infelizmente, faleceu em 2002.
2. O caminhoneiro Emmet tem o símbolo do Império de Star Wars tatuado em seu braço direito.
3. Referências a Star Wars não ficaram apenas na pele do caminhoneiro: um dos membros da gangue dos Rottwheelers tem tatuado em sua testa o símbolo dos Rebeldes e o próprio George Lucas também aparece como um dos competidores do “destruction derby”.
4. Além das tatuagens e participações especiais em campeonatos, em determinando momento no jogo, a repórter Miranda Rosewood pede ajuda à Ben: “- Help me Ben, you´re my only hope”, mesma frase dita por Princesa Leia a “Ben” Kenobi em Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança.
5. E para finalizar as referências, o design da gangue de motociclistas Cavefish foi nitidamente inspirado na raça “Povo da Areia” do planeta Tatooine em Star Wars.
6. No manual do game há uma revelação de Tim Schafer de que o sobrenome de Ben seria “Throttle”, e não “Whatsisname”, porém só não o fez por medo de que os produtores de “Biker Mice from Mars” (“Esquadrão Marte”, no Brasil) o processassem, já que um dos personagens no desenho também se chamava Throttle (aqui era chamado de Todd).
CARINHO COM O BRASIL
A excelência e o carinho que a LucasArts e a Brasoft tiveram para com o público brasileiro com Full Throttle (onde citam até o Programa do Silvio Santos e da Escolinha do Professor Raimundo na apresentação dos personagens) foram inéditos no mercado de games brasileiro.
Full Throttle teve uma versão digital remasterizada em 2017 para PS4, Windows e Mac. Para mim, foi muito prazeroso reviver as agruras do motoqueiro Ben com gráficos mais atualizados, mas, assim como Day of Tentacle, nada se compara ao impacto gerado na década de 90, sendo considerado um dos melhores point-and-click adventures de toda a história dos games.