Eu sempre fui uma criança com imaginação grande demais pra caber na minha cidade. Olhava pro céu e enxergava o sistema de Algol de Phantasy Star escondido atrás das nuvens, em algum lugar da galáxia.

Tinha noite que eu ficava olhando para o céu e tentando adivinhar quais planetas poderiam ser “Palma, Motávia e Dezoris.”

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Quando eu ia na concessionária com meu pai, o vendedor era a cara do Alex Kidd: orelhas grandes, sorriso redondo, jeito apressado.

Eu só pensava: “se ele abrir a mão agora, sai Janken-Po.” Pedra, papel, tesoura valendo o destino do pátio.

Quando o encanador chegava pra arrumar o banheiro, a história continuava. Na minha cabeça, ele vinha dos labirintos dos canos, pulava de mundo em mundo e aparecia na minha casa como quem atravessa a última fase antes do chefe. Chave inglesa era power-up. Vedação, checkpoint.

Eu vivia de revista de videogame. Cada página era um portal. Eu encarava aqueles personagens como gente de verdade, esperando por mim na esquina. Pegava o gravador, encostava no alto falante da TV e gravava o som dos jogos.

Depois colava recortes de revista no encarte da fita K7 e dizia: “pronto, trilha oficial desse lançamento”. Eu fazia o que dava pra fazer com o que eu tinha.

Eu gravava a trilha dos jogos em fita cassete para ouvir no meu Walkman

Lia resumo de jogo como quem lê romance. Eu lia e relia as páginas, marcava com caneta, desenhava mapas, criava finais alternativos. Aprendi inglês não porque a escola pediu, mas porque eu queria entender as falas de Alex Kidd in High Tech World sem pedir tradução pra ninguém.

Era uma vida paralela: o mundo real passando de um lado, os jogos do outro, e eu no meio, costurando.

Cresci. E um dia caiu a ficha: aquilo tudo não era “perda de tempo”. Era base. Os jogos afiaram minha imaginação, me ensinaram a contar história, a pensar em quadro, a montar cena, a escolher trilha.

Hoje, trabalhando com comunicação, publicidade e cinema, eu sei de onde veio esse jeito de ver o mundo: nasceu no controle, no pause, no botão de reset quando nada dava certo.

O homem não pode parar de imaginar. Imaginação é imagem em ação. É pegar cenário impossível e transformar em objetivo. Chefe final em desafio de vida. “Game over” em tentativa de novo. Cada vitória alimenta a próxima fase. Os games despertaram o melhor de mim.

E seguem despertando. Porque ainda olho pro céu atrás do sistema de Algol, esperando que, a qualquer momento, o Alex Kidd apareça na concessionária — mão aberta, macacão pronto — me chamando pra mais uma partida. Quando isso acontece, eu sorrio, aperto Start e volto a jogar.

Eu na minha locadora ”Play Games”. Os games foram uma das motivações para me tornar cineasta.

Imagem da capa: Desenho no caderno de escola do jogo ”Street Fighter”. Os jogos estimulavam a imaginação