Uma das melhores coisas da era de ouro dos games nos anos 90 era a amizade. Jogar sozinho é legal. Jogar com história é outra coisa. A experiência cresce quando tem gente, apelido, zoação, trilha de rádio e cheiro de pipoca na sala.

Lembro de 1993, Monza tubarão bordô rodando com meus pais, rádio na Jovem Pan, “Rhythm of the Night” no talo. Voltava pra casa e já tinha combinação de jogatina.



Castle of Illusion me leva direto pro Juliano, o Sapatudo. Ele usava sapatos dois números maiores. Quando corria, parecia bater palma com o chão. Fanático por doce de leite. Sempre dava um jeito de abrir a despensa escondido, colherada rápida, tampa de volta, e bora pro Mickey. Quando o chefe caía, ele comemorava com o chinelão: tac-tac-tac. Até hoje, se eu escuto esse som, juro que sinto o gosto do doce.

Outro parceiro era o Fofão. Bochecha grande, havaianas eternas, coração do tamanho do Mega. Vivíamos jogando de ”2”. Ele era zoado na escola, mas na minha sala de estar era player 1. Um dia decidi fugir de casa (coisa de moleque). Ele emprestou a barra-forte. Consegui pedalar até a esquina: pneu murcho, aro torto, corrente pulando. Minha fuga durou meia hora. Voltei rindo. O Fofão riu junto. Depois disso, fugimos só em 16 bits.

PROPAGANDA
Ricardo Fernando tinha o apelido de ”Fofão” em referencia ao personagem criado por Orival Pessini


Tinha também o Brazilindo. Camiseta da Seleção o ano inteiro, judô nas costas e bandeira estampada até no estojo. Ele vivia no Street Fighter. Quando o Street saiu no Mega, correu pra minha casa. A reação foi automática:


— A música tá estranha.
— Isso aqui tá lento.
— No Super é melhor.

E eu:

— Senta. Joga mais uma.

Dez minutos depois, ele já tava fazendo Hadouken como se fosse reza. Brazilindo reclamava por esporte. Jogava por amor.


E meu primo Jeanfrancisco, você já conhece. Nossa rixa Mega x Super foi campeonato de anos. Quando finalmente ganhei um Super Nintendo, fiquei com os dois consoles. A rixa não acabou, só mudou de fase. A desculpa dele vinha pronta: era o controle, era o hábito, era o dedo quebrado. Sempre tinha plot twist. E tava tudo bem. Rival de videogame é combustível — enche a semana de motivo pra jogar mais.

Foto original de 1993 do meu arquivo pessoal


Essas lembranças são cabos invisíveis que ligam jogos à vida. Cada cartucho é um atalho: cheiro de pipoca, música no rádio, a sala cheia, a despensa aberta, a bicicleta capenga, o primo competitivo, o amigo de havaianas. Jogar um título antigo hoje é mais do que “ver a tela”. É reabrir um quarto. É ouvir passos de Sapatudo no corredor. É o Brazilindo achando defeito e zerando em seguida. É o Fofão segurando o segundo controle como se fosse medalha.

No final, a apreciação vai além da imagem. Tá na vivência. No apelido que gruda, na zoação que cura, no “senta aqui e joga mais uma”. A gente cresceu, trocou de estação de rádio, trocou de carro, trocou de TV. Mas quando aperta Start, os amigos voltam. Um por um.