
SEMI – Tia Ana, estou jogando videogame no meu relógio.
ANA – Nossa, que incrível! — ela dizia, maravilhada.

E no dia seguinte a professora Sheila vinha seca:
SHEILA – O que você anda falando pra Ana?
SEMI – A verdade.
SHEILA – Verdade nada, você acha que eu sou burra?
SEMI – Não… mas a Ana é.
Foi assim que nasceu o apelido “Ana-Burra” — uma crueldade de Sheila que, de tanto ser repetida, virou quase um nome oficial nos corredores (e, claro, eu ajudava a espalhar).O clima ficou ainda mais interessante quando, numa tarde, Sheila revelou que não gostava de inglês britânico e preferia o americano.
Guardei aquela informação como quem guarda uma arma secreta. Semanas depois, a escola anunciou que um palestrante britânico daria uma aula especial. Na hora das perguntas, levantei a mão e, com a mais falsa inocência, soltei:
SEMI – Teacher Sheila told me she doesn’t like British English.
(Professora Sheila me disse que ela não gosta do inglês britânico)
O silêncio foi absoluto. O palestrante me olhou como se eu tivesse cuspido no Big Ben. Sheila sorriu… um sorriso frio, daqueles que prometem vingança.
No dia seguinte, a sentença veio:
SHEILA – Você vai ficar de castigo na sala desocupada do terceiro andar.

Eu vivia num ciclo diário de gato e rato com Sheila:
SEMI – Posso gravar minha voz no relógio.
Posso assistir televisão no relógio.
Posso jogar videogame no relógio.
Sempre dizia isso para Ana-Burra, que, encantada, corria contar para Sheila, apenas para ouvir:
— Ana, você é mesmo…
Anos se passaram. A escola fechou, o mundo mudou. Um dia, em um bar de rock americano, vi no palco uma figura conhecida: cabelo solto, jaqueta de couro, microfone na mão.
Era Sheila. No intervalo, ela me reconheceu imediatamente. Rimos, lembramos das guerras frias da sala de aula. Então, ela ergueu o braço para me mostrar um smartwatch brilhante.
SHEILA – Olha só… jogo Tetris nele todos os dias. Acho que você venceu, menino do relógio.
Ela me abraçou, não como a professora carrancuda de 1993, mas como uma velha amiga. E, antes de voltar ao palco, disse, com um sorriso largo:
SHEILA – Você tinha razão.
E ali, no meio do bar, percebi: o futuro que eu inventava para irritá-la não só havia chegado… como estava no pulso dela.
