Minha história com Resident Evil 2 tem início em fevereiro de 1998 com uma cópia de péssima qualidade pela qual tenho um enorme carinho e que me acompanha até hoje. Sua caixa quadriculada era composta por um plástico esbranquiçado, atualmente um pouco escurecido pela ação de impiedosas duas décadas, e compartimentada em dois segmentos distintos que abrigavam a dupla de CDs. A capa era preenchida por um desbotado e borrado tom avermelhado que comprovava sem nenhuma necessidade de análise a natureza dessa réplica.

Ao centro, tínhamos as três formas de William Birkin e na parte inferior, lia-se em azul, Resident Evil 2, e um pouco abaixo, Biohazard 2, em amarelo. Além de um “P” em caixa alta, delineado por uma fonte negra no canto superior direito. Na contracapa, cenas do jogo contrastavam com um fundo psicodélico que parecia saído de uma obra de arte abstrata. Além disso, ambos os discos reproduziam a montagem da capa grafados com uma tinta rosada.

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Meu Resident Evil 2 piratinha de época. Veja as fotos da galeria:

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Pergunto-me por qual motivo se deram ao trabalho de refazer tão toscamente algo que em teoria já estava pronto e só precisava ser reproduzido…Provavelmente, essa é uma daquelas perguntas que nunca ganharão uma resposta. Mas, voltando no tempo, mais precisamente três meses antes, eu havia ganhado um PlayStation com dois jogos: The King of Fighters ’96 e Street Fighter EX Plus Alpha. O Memory Card era um item dispensável em ambos, mas altamente necessário em Resident Evil 2.

Na época, meu pai havia um investido uma quantia significativa no console. Sendo assim, um acessório que “apenas” salvava o progresso nos jogos era um luxo pelo qual ele não poderia pagar. Sem isso, cada partida era um enorme desafio e não foram poucas as vezes em que Leon ou Claire sofriam brutais mortes pela minha falta de habilidade. Porém, como tudo na vida, a prática leva à excelência. Logo, eu havia revisitado tanto os mesmos locais que automaticamente meus dedos já conheciam os atalhos para o itens-chave e a melhor estratégia para cada inimigo.

Mas havia um outro problema, ainda que eu sempre superasse meus próprios recordes, estava impossibilitado de habilitar Hunk, Tofu ou mesmo as poderosas armas especiais com munições infinitas. Empecilho que só seria contornado cerca de seis meses depois com a aquisição do tão esperado Memory Card.

Não só por toda a relação emocional que tenho com o Resident Evil 2, mas também pela ampla qualidade em todos seus aspectos, para mim, ele se mantém como o melhor título dessa franquia. Tanto que, desde o início de nossa série “Clássicos”, eu era o maior defensor de um livro em que pudéssemos homenagear esse título, que tem um lugar tão especial em meu coração, inclusive com um espaço dedicado ao absurdamente aguardado Resident Evil 2 Remake. Fato que se consumou no primeiro semestre do ano passado, com a chegada dessa publicação.

O advento da E3 fez com que nossas expectativas fossem alçadas a novos níveis depois que a Sony anunciou em sua conferência a data de lançamento e cenas de gameplay de Resident Evil 2 (isso mesmo, sem o ‘Remake’). Uma combinação entre euforia e frustração me dominou nesse momento. Tudo que eu havia visto parecia bastante promissor e fiel ao título original, mas senti um desejo incontrolável de estar em Los Angeles para acompanhar de perto esse milagre.

Gameplay de Resident Evil 2 Remake durante a E3 2018

Fui acalmando minha ansiedade através de informações e vídeos que surgiam a todo momento durante as próximas semanas, mas já sem nenhuma esperança de um contato mais íntimo com o título até a longínqua data de 29 de janeiro de 2019. Porém, o inesperado aconteceu…

As primeiras horas da manhã de primeiro de agosto já prenunciavam que aquele não seria um dia comum. Cedo, o céu se abriu e brilhava intensamente, o motorista que guiava o Uber ouvia o grande Johnny Cash quando entrei no carro, mais precisamente “I Won’t Back Down” (cuja letra ressoou profundamente com o atual momento de minha vida).

O destino era a HBO, que eu visitaria pela primeira vez para assistir ao documentário Robin Williams: Come Inside My Mind, a convite do próprio canal. À tarde, dirigi-me até a Level Up, onde sou representante comercial. E por volta das 18:30, já me preparando para voltar para casa, eu conversava despretensiosamente pelo Messenger do Facebook com o Cleber Marques. Ele contava a mim e ao Rafael Marques detalhes do WB Games Summit 2018, evento da Warner que apresentava à imprensa futuros lançamentos próprios e de empresas parceiras, como a Capcom.

Para minha surpresa, o Cleber me disse que inesperadamente avisaram que haveria terminais disponíveis com a demo de Resident Evil 2 (a mesma da E3). Eu não pensei duas vezes, desliguei o computador e desci correndo com o aplicativo do Uber aberto, esperando chegar até o shopping JK Iguatemi o mais rápido possível. Nesse momento, São Paulo era tomada por uma chuva torrencial. Obviamente, não é difícil imaginar o quão comprometido o trânsito estava sob essas condições.

Com um atraso de meia hora consegui chegar ao local. Minhas passadas eram largas. Cada minuto era precioso. Eu não poderia mais esperar. Agora, nada poderia me impedir de alcançar aquilo que tanto ansiava. Ou, pelo menos, era o que eu imaginava…

Enormes filas se formavam ao longo dos três terminais que abrigavam Resident Evil 2, ligados a diversos aparelhos de PS4 Pro. Novamente, tive que me conformar com a posição de um mero espectador. Nada muito diferente dos inúmeros gameplays que eu já havia assistido. Diante da aparente impossibilidade de um possível contato com o meu objeto de desejo, fui com o Cleber até a praça de alimentação para jantarmos e continuarmos presencialmente a conversa que havíamos começado virtualmente.

Eram quase 9 da noite quando voltamos para nos despedir de nossos amigos e conhecidos, mas reparei que havia apenas uma pessoa em um dos terminais. Rapidamente, posicionei-me atrás dela aguardando minha vez. Nunca minha percepção temporal foi tão afetada. O relógio parecia estático. Finalmente, assim que sua sessão terminou, encaixei o fone de ouvido sobre minha cabeça e imergi naquele departamento de polícia que parecia tão familiar e ao mesmo tempo desconhecido.

O término de cada partida acontecia após 20 minutos ou se o jogador alcançasse a biblioteca do RPD, o que ocorresse primeiro. Eu não tinha nenhuma pretensão de finalizar a demonstração. Sob meu ponto de vista, isso significava comprometer a experiência em troca de um objetivo que não me fazia sentido naquele contexto. Preferi investir esse tempo em uma análise detida e sem pressa dos cenários e objetos, além de sentir com mais profundidade e atenção às permanências e mudanças na jogabilidade.

Gameplay de Resident Evil 2 Remake durante a E3 2018

A supressão da palavra “Remake” não soava mais tão deslocada. De fato, o jogo todo parece não só uma releitura, mas uma reinvenção do clássico de 20 anos atrás. Novamente, me senti aquele adolescente sufocado pela incerteza de uma suposta investida que poderia surgir a qualquer momento. É indescritível o quão incrível foi trazer à tona essa sensação adormecida.

Leon corre de maneira mais cadenciada, o que contribui bastante para essa insegurança permanente. O impacto dos tiros mediado pela mira sobre os ombros é bem preciso e convincente, algo que fará com que vocês queiram atingir os braços e pernas dos zumbis sem o menor remorso para os desmembrarem, ou disparar seguidos projéteis contra seus rostos até que fiquem desfigurados.

Fiquei aliviado em ver como a violência foi potencializada, as possibilidades gráficas que os consoles e PCs contemporâneos oferecem tornaram as mortes mais intensas e viscerais. Não há censura. Tudo é exibido de maneira crua e com grande riqueza visual.

Porém, nosso deleite não vem apenas do sadismo, mas também pela contemplação da grandiosidade e imponência do RPD, que sempre foi um dos locais mais icônicos e relevantes de toda a franquia. A adição de novos e numerosos detalhes aumentam exponencialmente a dimensão da tragédia que se abatera ali.

Além disso, a transposição e mescla de tradicionais ambientes dão um tom de ineditismo à narrativa. Na parte interna, segmentos de total escuridão obrigam os jogadores a lançarem mão de um novo recurso: a lanterna. Em certo momento, cercado por um grupo de mortos-zumbis, fui obrigado a gerenciar meus ataques e o uso da própria lanterna. Um processo de aprendizado que todos os veteranos em Resident Evil 2 terão que se adequar.

Sobre os demais aspectos da jogabilidade, posso afirmar que é polida, dinâmica e responsiva. O menu flutuante se assemelha ao que foi visto no sétimo capítulo da franquia. Itens memoráveis como os sprays e as ervas verdes e vermelhas retornam. E os úteis files também não poderiam ficar de fora, expandindo a rica mitologia da série.

Naquela noite, todas as minhas dúvidas se dissiparam. Voltei para casa com a impressão de ter reencontrado um velho amigo que não via há anos. Amigo este que sofreu um processo de maturação, mas que não perdera sua essência. Resumindo, Resident Evil 2 é uma declaração de amor aos fãs. Um novo produto que respeita e se apoia no passado, mas que não se intimida ao caminhar em direção ao futuro.

Gameplay de Resident Evil 2 Remake durante a E3 2018