As locadoras, os consoles e as tardes sem lei dos anos 90 renderam mais do que partidas. Renderam histórias pessoais que nunca saíram da memória. Cada jogo carregava uma situação, uma zoeira ou uma lenda. Aqui estão cinco delas.



1) Pit Fighter – O Desabafo em Pixels
Relato de Alisson Martinelli – Colégio São José

Era 5ª série no Colégio São José. Época sem lei. Os maiores aplicavam o temido “chá de cueca” nos menores. Tinha também o “rachão”, jogo de futebol de vale-tudo, voadora e chute com força total. Eu era alvo. Tinha desafetos que me perseguiam todo recreio.

Na vida real, eu não podia com eles. Mas no Pit Fighter, eu podia tudo. Cada inimigo recebia o nome de um deles. Eu socava, chutava, derrubava até não sobrar nada. E quando desligava o console, me sentia com a alma lavada. Não briguei no colégio. Briguei na tela. E venci.

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2) Moonwalker – O Dia do Gabriel Cagão
Relato pessoal

Tarde de jogatina em casa, Mega Drive ligado, Moonwalker na tela. Estávamos em uns cinco garotos. O Gabriel, fissurado em Michael Jackson, trouxe a fita. Mas ele não estava bem. Soltava uns puns no sofá, a molecada zoava. De repente, ele sumiu.

Bateu o cheiro. Pesado. Quando fomos ver, ele estava no banheiro — e demorou tanto que terminou tomando banho. Tinha se borrado todo. Precisei emprestar uma roupa minha. O fedor ficou na sala e a galera foi embora.

Daquele dia em diante, ninguém mais lembrava de Moonwalker sem lembrar do “Gabriel Cagão”.



3) Streets of Rage – As Lendas Urbanas
Relato Coletivo – 1992

Streets of Rage era febre. Mas o que crescia junto eram as lendas urbanas.

— Se vencer o Mr. X de um jeito secreto, aparece um código que te dá dinheiro de verdade no banco.
Streets of Rage e Final Fight são o mesmo jogo, só que o Final Fight é a continuação no Super Nintendo.
— Jogando com a Blaze dá pra liberar uma fase secreta e ver ela sem roupa.
— Existe um filme do Streets of Rage que só um garoto alugou na locadora.

Ninguém nunca viu código nenhum, muito menos o filme. Mas as histórias corriam como se fossem verdade. Streets of Rage era jogo… e era também combustível pra imaginação da molecada.



4) Galaga – O Menino da Nave Espacial
Relato coletivo

A gente tinha 8, 9 anos. Ele, 14. Falava sério, voz firme, parecia saber de tudo de informática. Um dia, depois de jogar comigo Galaga, disse:
— Eu sei construir uma nave espacial de verdade. Tipo do filme ”Viagem ao Mundo Dos Sonhos (1985)” . Mas vou precisar do seu Dynavision pra desmontar.

Na hora acreditei. Ele falava em circuitos, em eletrônica, citava códigos de jogos. O plano era transformar meu console numa cápsula capaz de nos levar pro espaço. Por semanas ele me enrolou.

No fim, descobri: não tinha nave nenhuma. Ele queria mesmo era passar a mão no videogame.

Imagem: Segaretrobr


5) Black Belt – O Faixa-Preta de Videogame
Relato de João Neto

O João era figura no colégio. Disse que tinha aprendido karatê jogando Black Belt no Master System. Que cada fase era uma graduação: branca, amarela, azul, até chegar na preta. E jurava que tinha descoberto códigos secretos que ensinavam golpes ocultos.

O pessoal acreditava. Até que um dia, no recreio, João resolveu mostrar suas “técnicas”. Foi encarar um garoto maior. Preparou a guarda, tentou dar um golpe. Tomou só um empurrão. Se mijou inteiro no pátio e saiu correndo.

A partir daí, deixou de ser o faixa-preta de karatê. Virou a piada do colégio. Mas o Black Belt continuava sendo o único lugar onde ele era invencível.