
Nos anos 90, o cinema ganhou inúmeros filmes sobre o futuro distópico da humanidade, com tramas laureadas como Matrix, Os 12 Macacos e Total Recall, e produções de baixa pretensão (ou orçamento), a exemplo de Juiz Dredd, A Reconquista e Fome Animal (este último, um clássico!).
No meio da década, surgiu Johnny Mnemonic, a partir de um conto do conceituado escritor William Gibson, cuja produção celebrou seu 30º aniversário em maio de 2025. A pergunta é: a obra envelheceu bem?
Responder a essa questão depende em grande parte da boa vontade do interlocutor com o projeto cinematográfico e com o interesse que o tema desperta entre nós. A distopia sempre foi um dos assuntos mais interessantes na produção de cinema fantástico, seja em criações como Viagem à Lua, obra de 1902 de Georges Méliès, em que cientistas enfrentam criaturas selenitas, seja em O Planeta dos Macacos, dirigido por Franklin J. Schaffner com o astro Charlton Heston, em 1968, ou em criações mais recentes.
Na trama idealizada por William Gibson, um experiente contrabandista de dados, capaz de receber um grande implante de informações digitais após uma cirurgia cerebral, se vê às voltas com corporações industriais e a máfia japonesa, que buscam manter seu controle sobre um sigiloso arquivo com a fórmula de um inovador produto farmacêutico. No conflito que se segue, o hacker interpretado pelo jovem Keanu Reeves se envolve com punks revolucionários que lutam contra a opressão do ‘sistema’ em um previsível roteiro do gênero gato-e-rato.
Talvez não seja nem mesmo a obviedade da narrativa que torna o resultado do filme tão questionável, mas a pretensão da realização ao unir elementos que, em princípio, deveriam funcionar, como um tema de ficção científica em ascesão, desenvolvido pelo renomado idealizador da cultura cyberpunk, efeitos visuais que deveriam oferecer suporte à trama e as cenas de ação típicas de uma produção hollywoodiana, mas nada parece funcionar como o previsto.
Keanu Reeves, que se transformaria em um ícone do cinema de ação a partir do projeto seguinte, Matrix – do qual Johnny Mnemonic parece quase um prequel -, tem uma atuação robótica em cena e protagoniza um herói mecânico, com momentos risíveis como o surto no qual, indignado com seu infortúnio, declara “Eu quero um serviço de quarto! Eu quero um sanduíche gigante! Eu quero uma cerveja mexicana! Quero uma prostituta de 10 mil dólares por noite!”, em uma encenação patética.
Os efeitos visuais são tão tipicamente datados com a estética digital dos anos 90, com absolutamente zero inovação, que farão o público atual correr a cena para não perder tempo assistindo o caótico tráfego de fames e dados na rede neural do protagonista. Uma pena quando comparado com a rede de Matrix, de apenas três anos depois, mais limpa e propositiva, totalmente diferente do que vemos aqui ou em outros filmes da época, como O Passageiro do Futuro (outro equívoco cinematográfico daqueles anos do qual não falaremos no momento).
Mesmo contracenando com nomes de peso do cinema do período, como Takeshi Kitano, que interpreta um implacável yakuza, Udo Kier (também presente no brasileiro Bacurau), como um inescrupuloso agente e algoz de Johnny, o ativista anticapitalista vivido pelo rapper Ice-T e Dolph Lundgren, na pele de um hilário pastor assassino de aluguel, Reeves encadeia cenas que constroem uma produção sem momentos brilhantes, comparável a outros filmes da mesma fase do cinema norte-americano, como o contemporâneo Barb Wire – a Justiceira, com Pamela Anderson, ou Os Selvagens da Noite, clássico trash de Walter Hill do final dos anos 70.
A esta altura, o leitor deve se perguntar se vale assistir à produção, e a honesta resposta deste repórter é que, sim, o filme vale o seu tempo e o consumo da pipoca, sendo diversão garantida até pelo caráter paleológico da produção e pela performance inusitada do astro Keaunu Reeves, permitindo ao público aproveitar a oportunidade para conhecer um pouco mais sobre a criação de William Gibson, que revolucionou a literatura cyberpunk com sua obra Neuromancer e textos posteriores.
Se muitos dos elementos da produção fizeram o filme envelhecer de forma pouco inspirada, mostrando-se uma produção datada, Johnny Mnemonic faz 30 anos com uma narrativa e uma estética típica do trash dos anos 90 o o conjunto faz desta obra o melhor do pior do cyberpunk dentro da linguagem cinemagráfica.
O filme não está disponível em nenhum serviço streaming no momento no Brasil, mas é possível pesquisar pela Internet para saber onde é possível encontrá-lo. Ou usar VPN para assistí-lo no Prime Vídeo, pois o filme está disponível na plataforma, porém na América do Norte.







