A resposta acima me foi dada por um executivo de uma grande agência de publicidade, quando lhe ofereci a inserção de anúncios nas máquinas de videogame da Capcom. A proposta era a de exibir um anúncio do tipo vinheta animada com 5 segundos de duração, antes de cada partida e em certo intervalo de tempo, enquanto o jogo estava em modo de espera.
Imagine quantas vezes o anúncio seria exibido em uma única hora, em uma máquina de jogo rápido como Super Street Fighter II ou Darkstalkers! O anúncio seria vitalício, ou seja, estaria gravado na EPROM e seria exibido por toda a vida útil da PCB, nos mais variados locais por onde ela passasse enquanto estivesse em operação comercial, e por um custo extremamente viável pago uma única vez.
O ano era 1994. A agência em questão tinha, entre seus clientes, empresas líderes nos segmentos de refrigerantes e produtos achocolatados, consumidos por crianças e adolescentes de todas as camadas sociais, incluindo “o tipo de moleque que joga nessas máquinas lá na Brigadeiro”.
Para quem não conhece a cidade de São Paulo, o executivo yuppie referiu-se à Av. Brigadeiro Luís Antônio, que conecta a região dos Jardins, a Avenida Paulista e o centro da cidade.
Nas casas de diversões eletrônicas que ali se encontravam, jogavam democraticamente os office-boys, estudantes – após as aulas ou matando aulas -, alguns “mauricinhos” aventureiros, as diversas tribos de gamers da época e claro, também os “moleques de rua”, muitos dos quais também pequenos trabalhadores informais como tomadores de conta de carro, vendedores de chicletes, engraxates (ainda relativamente comuns nessa época) e outros.
Bem, citei o caso da agência de publicidade para dar um panorama de como o segmento de jogos eletrônicos no Brasil era visto, ou melhor, mal visto pela opinião pública quando as empresas do setor decidiram investir no País novamente nos anos 90, após uma grande lacuna deixada pela Taito anos antes.
Há alguns aspectos a serem considerados. Arcade – ou fliperama – era uma diversão barata e, em muitas localidades, era uma das poucas formas de lazer disponíveis para crianças e adolescentes. Também pelo fato de não exigirem a compra do equipamento por parte do comerciante, pois a operação geralmente ocorria em regime de divisão de faturamento 40/60, as máquinas estavam presentes nas localidades mais periféricas e pobres imagináveis.
Podiam estar instaladas em estabelecimentos destinados exclusivamente a esta finalidade ou praticamente em qualquer comércio (exceto escolas!), gerando uma renda extra para seu proprietário. Tamanha era sua popularidade, que havia localidades onde era mais fácil encontrar uma máquina de Street Fighter do que um orelhão ou caixa de correio, para citar dois objetos ainda bastante utilizados nos anos 90.
A questão é que, costumeiramente, pobreza sempre foi injustamente associada de forma preconceituosa a marginalidade, quando na verdade os jogadores, em sua esmagadora maioria, independentemente de sua condição social, estavam ali simplesmente em busca de alguns minutos de diversão inofensiva.
Por outro lado, seria hipocrisia negar que esta visão negativa tem um fundamento e origem, que remontam a décadas anteriores. Vou recorrer novamente às minhas lembranças para descrever fatos que vivenciei nos anos 70 e 80, que serviram como base para o trabalho que eu viria a desenvolver duas décadas depois, junto a outros profissionais do ramo.
Vamos lá. Nasci em 1969, e portanto vivi minha infância nos anos 70 e a adolescência nos 80. Na infância morei no Jardim Sarah, uma parte de um bairro maior, o Rio Pequeno, na periferia da zona oeste de São Paulo. As ruas ainda eram tranquilas, com pouco asfaltamento, e havia muitos terrenos baldios, que se transformavam em campos de futebol, de taco, pista de bicicleta ou qualquer que fosse a brincadeira de rua da época.
Sim, brincávamos na rua. Quando já éramos “maiorzinhos”, lá pelos 7 ou 8 anos, nossos pais permitiam que brincássemos na rua, sob a condição de obedecermos rigorosamente às suas instruções e à autoridade por eles conferida à criança mais velha da turma. Uma das instruções do meu pai era: “Fique longe do fliperama”. O “fliperama” perto de casa era uma garagem comprida sempre escura, anexa ao bar e empório do Seu Manoel, que sempre que era chamado de português, retrucava: “Não sou português! Sou angolano!”.
O salão com as máquinas tinha a porta de entrada dando para a rua e outra, interna, que se comunicava com o empório. Às vezes, quando me pediam para buscar algo no empório, como o litro de Fanta para o almoço do domingo, eu ia, seguindo todas as recomendações e cuidados, mas sempre dava uma espiada pela portinha interna, e lá estavam elas: as máquinas de pinball com suas luzes piscantes e sons alucinantes, sempre convidativas.
Porém, muitas vezes lá estavam também os bêbados deitados sobre as máquinas ou caídos ao lado delas, jovens fumando maconha (para mim, na época, apenas um cigarro com um cheiro bem diferente do cheiro do Continental que meu pai fumava e do fumo de rolo do Tio João); às vezes presenciava brigas e discussões de frequentadores, via o pai do Paulinho agarrado atrás dos pilares do fundo com uma mulher que não era a mãe do Paulinho, e por aí afora.
Mas isso tudo eram apenas incômodos menores e não os verdadeiros riscos. O grande problema era que o local às vezes era usado como esconderijo de bandidos em fuga, o que era favorecido pelo ambiente escuro e pela lei do silêncio informalmente estabelecida desde sempre.
E como se não bastassem os bandidos “comuns”, nessa época ainda existiam grupos armados de guerrilha remanescentes, cujos integrantes se infiltravam em locais onde havia pequenas aglomerações de pessoas, preferencialmente locais escuros, para combinarem suas ações, trocarem informações ou se esconderem. Vamos nos lembrar que estamos falando dos chamados “anos de chumbo”.
Em suma, a qualquer momento aquele local de “diversão” poderia se transformar em um palco de terror. Obviamente, eu não tinha todo este discernimento e tudo isto nem passava pela minha cabeça. Contudo, não mencionei ainda o fato talvez mais relevante neste relato: meu pai era sargento PM, foi um dos integrantes fundadores da ROTA, em 1970, e nesta época, que estou descrevendo, por volta de 1976, trabalhava no Patrulhamento Tático Móvel da região.
Não raras vezes eu acabava ouvindo relatos dele para minha mãe, sobre prisões, apreensões e confrontos ocorridos em casas de diversões eletrônicas do bairro e da região. Hoje, compreendo que talvez a maior preocupação dele fosse que por causa de uma curiosidade infantil, eu pudesse ser observado e capturado por algum criminoso.
Vale lembrar aqui também que nos anos 70 predominavam as máquinas de pinball, que até por causa de suas dimensões físicas, eram jogadas por adolescentes mais velhos, jovens adultos e também pelos “tiozinhos” e “tiozões” da época. Aliás, muitas vezes as máquinas eram instaladas perto de mesas de sinuca. Ou seja, estavam longe de ser locais projetados para crianças ou adolescentes mais novos.
Já nos anos 80, o pinball começa a perder espaço para videogames, simuladores de corrida, jogos de tiro e outros, e a faixa etária dos frequentadores de fliperama vai abaixando, o que começa a trazer outras preocupações: evasão escolar, aliciamento de menores, furtos praticados por menores com o intuito de compra de fichas, introdução a vícios como cigarro e bebidas alcoólicas por influência de jogadores mais velhos e até mesmo assédio por pedófilos.
Além destas preocupações, muitos dos problemas existentes nos anos 70 persistiram com a virada da década. É também nos anos 80 que ocorre o forte crescimento de grupos de contraventores de jogo do bicho e outros tipos de jogos de azar ilegais.
Esses “empresários” passam a operar negócios de fachada no ramo de diversões eletrônicas como forma de lavar dinheiro e servir de pano de fundo para suas operações ilícitas, exercendo inclusive forte influência na política. Porém, não cabe aqui nos aprofundarmos neste tópico; apenas fiz esta menção para que se tenha noção do quanto uma atividade que foi criada com o propósito de proporcionar lazer e diversão acabou sendo utilizada para fins espúrios e adquiriu uma imagem tão denegrida e marginalizada.
Pois bem, após uma pequena viagem pelos anos 70 e 80, voltemos à década de 90, por onde iniciei minha narrativa. Cientes da imagem negativa e marginalizada do setor junto à opinião pública, assim como dos fatos que fundamentaram a consolidação dessa visão, nós, como novos profissionais de entretenimento, recebemos a desafiadora missão de melhorar a imagem do segmento e a tarefa árdua e crucial de transformar o setor em si.
Quando comentei sobre estes objetivos a meu pai, então já oficial reformado, seu comentário curto e sincero, acompanhado de um balançar de cabeça foi: “Vai ser difícil!”.
E quais seriam os passos necessários? Numa ponta, precisaríamos atuar no lado da operação, transformando a mentalidade dos empresários do ramo, os operadores, para que trabalhassem de maneira mais ética, profissional, organizada e dentro da lei, preocupando-se com a segurança e bem-estar de seus clientes, com a garantia de que proveríamos todo o suporte necessário para isso.
Na outra ponta, deveríamos promover uma nova imagem de diversão saudável para os jogos de arcade, estimular a continuidade do consumo dos jogos eletrônicos operados por fichas frente à concorrência dos jogos de consoles domésticos e computadores. Além de cuidarmos também do bem-estar e segurança de nossos consumidores finais, conscientizando-os sobre a conduta e as precauções a serem adotadas ao jogar.
Dessa estratégia nasce um conjunto de ações e como principais frutos os conceitos aplicados de “videogame profissional” e “jogador de videogame profissional”. Mas este já é um assunto para uma próxima conversa!