Histórias tem protagonistas… isso é uma regra narrativa. É inquebrável.

Branca de Neve vai morar num Airbnb com mais sete anões. Bilbo descobre o anel e ajuda os anões a retomarem sua fortaleza. Alice fica grande, pequena, conversa com gatos e aprende sobre desaniversários. Luke virá um mestre Jedi, resolve seus problemas paternos e tem uma relação de família bizarra com sua irmã. Bruce Wayne é o Batman!

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Sim… eu também fiquei surpreso quando descobri isso. Quem diria que aquele bilionário almofadinha fazia purê de criminosos usando nada a não ser suas mãos.

Quem diria, Batman!

De qualquer forma, mesmo que você escreva uma história onde nada se saiba sobre o seu protagonista, alguém move a história. Toda história é algo ocorrido a alguma coisa ou alguém. Mesmo quando você escreve um livro inteiro onde cada capítulo uma pessoa protagoniza a história (olha aí! Está até no verbo) algo ou alguém age ou recebe as ações.

Logo, quando contamos história envolvendo jogos de videogame, você costuma pensar que falaremos ou dos protagonistas desses jogos ou, no caso da história envolver o que houve com o jogo, de amigos profundamente envolvidos com videogames.

Mas não é o nosso caso hoje.

Hoje falaremos de um homem que, embora não seja avesso ao universo de games, tendo circulado no entorno dele por muito tempo, não era ávido jogador.

Para ser sincero… não era nem mesmo um jogador casual.

Para ser ainda mais sincero… ele, ocasionalmente, se mais alguém estivesse jogando, jogava algum game.

O nome dele era Viktor. Mas a gente chamava ele de Vitão.

Viktor, não era nem mesmo um jogador casual

Não da mesma maneira que a gente chama o Betão, do canal Hightower Branco, de Betão.

Olhe para o Betão vestido como um monge e você imediatamente entende porque chamamos ele de Betão. Ele é ligeiramente mais alto que o brasileiro médio. Para ser absolutamente verdadeiro ele é ligeiramente mais alto que a média das torres meteorológicas espalhadas pela cidade de São Paulo, mas esse é o ponto do sufixo “ão” no final do nome dele. Ele é um Beto. Ele é alto. Ele é o Betão.

A razão do “ão” no Viktor poderia, a uma certa distância, passar despercebida para você. Ou se ele estivesse numa blusa mais folgada. Mas tudo que você precisava para descobrir porque Vitão era conhecido como Vitão e não, talvez, como Vitinho, era ir numa aula de Karatê na pequena cidade onde morávamos.

Ou ir a academia do clube durante a tarde. 

Ou passar perto dele de regata.

Vitão é, como o Professor Doutor em educação física que é, apaixonado pelo Karatê. Ele não só é um Sensei sensacional, com uma habilidade ímpar no esporte, mas um homem profundamente dedicado a visão científica do esporte e a divulgação dele no país, tendo trabalhado junto ao professor Nagamine por muitos anos. O fato que ele é um cara muito legal e de um coração enorme só melhora a convivência com ele. 

Karatê, uma verdadeira paixão

Mas não pense que nosso protagonista Vitão é um rato de academia iletrado. Não senhor… ele era MUITO letrado. Imensamente letrado. De fato, ele estudava meticulosamente como se exercitar para evitar lesões e melhorar os ganhos. E isso só aumentava os resultados que foram se tornando cada vez mais evidentes durante a adolescência dele.

O Vitão era musculoso. Forte mesmo. Ele não lembrava um halterofilista. Ele lembrava alguém que a Mafia contrataria para destruir o seu negócio sozinho, usando as mãos, enquanto cantava. Era o tipo de corpo que as pessoas conseguiam quando trabalhavam como estivadores no porto por anos, antes da invenção da eletricidade. Não era aquele trapézio criado por remédios e treinos parcimoniosos; era o que você consegue quando você faz 5 refeições decentes e não tem outros hobbies que não sejam treinar.

O efeito final lembrava vagamente um tijolo de óculos com apenas uma fraqueza: Mulheres.

De fato, numa determinada ocasião, enquanto voltávamos do treino, ele parou duas moças, da mesma idade dele (sou ligeiramente mais velho), do lado do jardim, do nada, dizendo “Oi… nós estamos procurando um gatinho. Ele era desse tamanho…”.

Disse, usando as mãos no centro do corpo para indicar o tamanho enquanto tensionava os músculos que pareciam que iam explodir a camiseta.

“Não sabemos se ele foi para lá” – aponta para a esquerda com o braço esquerdo esgarçando a camiseta de musculoso – “ou se ele foi para cá” – fez o mesmo com o braço direito.

“Se vocês virem ele” – apontando para as moças fazendo a gola da camiseta desistir da briga com o pescoço dele – “me avisem!” – apontando para si mesmo.

As moças riram. Eu ri. Ele permaneceu sério pensando consigo mesmo se aquele havia sido um bom movimento.

Não foi. Nenhuma das duas nunca deram uma segunda olhada nele. Ou em mim. Ou ligaram para avisar do gatinho.

Em outra situação íamos treinar em Garça, no interior do estado, e lá chegando fomos recebidos por uma moça muito formosa que era a veterana local, que nos mostrou onde ficavam os banheiros, onde podíamos guardar as mochilas e tudo mais. E lá foi o Vitão agradecer a moça, se derreter em elogios e dizer que, se ela precisasse de uma cobaia para indicar aplicações de golpe, ele estava de bom grato.

E foi assim que o Viktor passou um domingo inteiro apanhando como um coitado de vários senseis, enquanto golpes e técnicas eram demonstrados. Ele voltou no ônibus conosco jurando que nunca mais daria uma delas.

E, embora você esteja se divertindo com as histórias do Vitão, você deve estar se perguntando porque eu estou contando isso no site da WarpZone? E, o que isso tem a ver com videogame?

Pois muito bem… vamos ao cerne da história. De volta a 1999 ou 2000. 

Eu morava em Campinas e estava classificado, assim como a equipe da cidade onde morava antes, para um campeonato em Itapecerica da Serra, parte da grande São Paulo. Como, na data do campeonato, eu estaria na cidade dos meus pais, acertei com o Sensei que viria com eles para Itapecerica e voltaria com eles no Busão. Seria uma bruta situação legal. O velho time, junto novamente, para mais uma aventura.

E foi realmente incrível. Fomos muito bem no Embu naquele campeonato (principalmente para um montado as pressas em poucos dias) e consegui um terceiro lugar em Kata. O primeiro dia chegamos no local basicamente na hora de competir e caímos, mortos, no alojamento para dormir, pouco depois de um jantar improvisado no próprio ginásio.

No dia seguinte, no entanto, os Senseis se comoveram dos alunos que estavam tendo que dormir no ginásio e nos prometeram um passeio no Shopping ao final do dia de atividades. Tomamos aquele banho gostoso com o corpo dolorido de cansados e fomos todos para o Shopping lanchar e dar um rolê. Como eramos amigos saímos andando juntos pelo Shopping, acompanhados de um casal de praticantes de Birigui e uma moça de Bauru chamada Viola.

Tiremos um segundo para descrever Viola. Ela tinha um sorriso lindo, um corpo formado por muito exercício físico e um jeito de falar superfofinho. E, além de solteira, ela era ruiva.

Vocês imaginam em que a atenção do Vitão estava centrada né?

E, andando a esmo, achamos uma área de arcades no Shopping, equipada com os típicos suspeitos: Air hockey, diversas máquinas de corrida da SEGA ligadas em paralelo, umas dez máquinas de luta sortidas da Capcom em algum canto, dois ou três jogos de pistola e… Sonic Blastman.

Arcade de Sonic Blast Heroes, versão mais nova

“Sonic Blastman?” você deve estar se perguntando. O que raio é Sonic Blastman? Um Sonic de Arcade? Um jogo que usa Blast Processing? Um beat em up bem esquecível de SNES em sua versão de arcade?

Uma dessas 3 está parcialmente certa e errada ao mesmo tempo.

Sim… Sonic Blastman, o arcade, tem uma versão para SNES onde você controla um assalariado engravatado japonês que se transforma numa paródia de um super herói americano e surra monstros na rua terminando em lutas contra bosses onde ele usa socos de centenas de toneladas para acabar com eles. Não é um superjogo, mas é perfeitamente jogável se você não tiver muito mais para fazer naquele dia.

Lendária máquina da TAITO

A versão de Arcade, no entanto, é sensacional. Ela é um monstro de plástico e metal, que originalmente tinha uma pequena área almofadada na qual, vestindo luvas, você tinha que dar um soco real, e a máquina calculava quão forte ele havia sido. Você tinha 5 estágios possíveis no Arcade, cada um progressivamente mais difícil que o outro, com 3 chances (3 socos) para vencer o estágio:

– Num dos estágios você tinha que socar um agressor atacando uma moça solitária;

– Num outro você tinha que socar um caminhão para evitar que ele atropelasse um carrinho de bebê;

– Num terceiro você derrubava um prédio no muque;

– O quarto colocava você para socar um robô caranguejo gigante que atacaria um navio;

– E por último, no mais difícil eles, você tinha que evitar a extinção da raça humana, destruindo um asteroide com seus punhos;

Aliás… a Taito teve que pagar um multa gigante no Japão e fazer o recall de uma enormidade dessas máquinas depois que muitas pessoas começaram a se ferir atingindo, mesmo de luva, com força, a parte de metal que sustentava a almofada a ser socada. Autoridades japonesas consideraram que a proteção em volta da haste de metal era insuficiente e a Taito substituiu o conjunto Almofada + luva por um saco de pancada padrão, de boxe, que ficava em volta do pilar de metal.

E foi exatamente esse segundo modelo que nós encontramos no Shopping, em Sampa, naquela fatídica noite.

6 Karatecas + uma máquina que permite usar os punhos para salvar pessoas = 5 Karatecas felizes.

E lá fomos nós carregar o cartão para passar no terminalzinho da máquina e vermos que tinha o soco mais forte ou conseguia repelir o caranguejo. Todos menos o Vitão que estava fazendo tudo o possível para demonstrar o mínimo possível de interesse na máquina de forma que a Viola não o achasse “nerd”, “gamer” ou qualquer outra coisa.

Fato engraçado: A Viola tava curtindo a máquina pacas.

Fato mais engraçado ainda: O Vitão não tava se aguentando de vontade de testar quão forte a máquina diria que eram os socos dele.

E, uma vez que eu treinava contra ele basicamente toda semana, posso lhe dizer que eram devastadores.

E enquanto ele tentava manter a fachada de um homem austero e sério, que não tinha tempo para games, nos estávamos testando o que funcionava ou não, do mundo real, na máquina da Taito (tomar distância VS não tomar distância, tomar base VS não tomar base, etc…).

Perdemos uns 15 minutos para mais por ali até que, depois da Viola socar sem muita energia, ela, com todo aquele jeitinho meigo, pediu “Viktor… vence essa fase para mim!”.

Senhoras e senhores… eu nunca tinha visto um homem sorrir com os olhos de forma tão verdadeira na minha vida. Vitão tirou a jaqueta, entregou para o um outro amigo nosso, o Serratinho (saudades cara) e andou na direção da máquina, ainda mantendo a cara séria e taciturna.

Cada passo dele era calculado para deixar claro a Viola o vigoroso exemplar da raça humana indo para aquela máquina “salvar a ficha” dela. O efeito real para todos nós a volta dele era uma pessoa com um ligeiro desconforto estomacal. 

Ele parou na frente da máquina. Mediu a distância com um punho. E deu um Gyaku Zuki tão rápido que parecia que ele tinha fugido de um anime, acompanhado de uma bufada de ar rouca e baixa.

Tdo poder de um soco nos arcadea

Fato Karateca: Gyaku Zuki é um soco com a mão contrária a perna da frente.

Quem já jogou sabe como o Sonic Blastman funciona: O saco de pancada desce com o impacto enquanto a tela demonstra seu efeito no oponente. Não foi isso que aconteceu ali. O golpe projetou esse saco de pancada com toda a velocidade do mundo contra a base da máquina enquanto a tela simplesmente ficou cinza, sem nada disposto nela, e a telinha do leitorzinho de cartão ficou mostrando diversos símbolos alfanuméricos. 

Sem som! Sem pontuação! E sem qualquer sinal que a máquina ia voltar a funcionar!

5 pares de olhos se voltaram para o Vitão, que continuava em base com cara de Pikachu surpreso. O Serratinho andou devagar na direção dele e entregou a jaqueta de volta. Todo mundo em silêncio. Até que a moça de Birigui disse “Nossa… olha a hora… vamos comer né?”.

E todo mundo saiu, de fininho, enquanto um pequeno grupo de adolescentes tentavam, em vão, entender como aquele saco de pancadas tinha ido parar quase dentro da máquina.

Competimos no dia seguinte, demos tchau aos amigos feitos, abraços na Viola e entramos no busão, banhados e cansados, para voltar para o interior do estado. E, sentados do lado do Vitão, perguntamos “Quebrou a máquina hein Vitão! Que soco hein?”

E ele, sem jeito, respondeu, dando de ombros, sem tirar os olhos de um livro “Pegou meio de lado…”