Conforme eu havia anunciado na minha última publicação, contarei como algumas produções audiovisuais chegaram até o público brasileiro, buscando satisfazer assim um pouco da curiosidade que possa existir a esse respeito. Naturalmente, vou me referir às produções licenciadas pela Capcom, quando fui coordenador e Marketing e Licenciamento da Romstar do Brasil.

Primeiramente, saiba que na primeira metade dos anos 90, minha experiência no mercado audiovisual era nenhuma. Nem de longe eu imaginava que a partir de 1996 fundaria um estúdio de dublagem. Até então, eu era um profissional de tecnologia em processo de migração para a área de comunicação e marketing. Todos os demais funcionários da Romstar também concentravam-se no negócio de comercialização e operação de jogos eletrônicos, e nada sabiam sobre cinema, TV e vídeo. Internet? Nem se falava nisso!

PROPAGANDA

Um certo dia, em 1995 (já não me lembro em que mês), uma pessoa da Columbia Tristar ligou para a Romstar e pediu para falar com a área de Marketing. Foi marcada uma reunião para conversarmos sobre uma parceria para as atividades promocionais de um filme baseado em Street Fighter, que seria lançado alguns meses depois: Street Fighter – A Última Batalha. Inicialmente, a Columbia pediu que cedêssemos algumas máquinas com títulos da série Street Fighter para serem instaladas no saguão das principais salas de cinema. Nossa parceria, contudo, foi muito além disso.

Como já contei anteriormente, a Romstar patrocinou a pré-estreia no cine Gazetinha, localizado na Avenida Paulista. Também aliou-se a outras empresas em campanhas promocionais. Um exemplo foi a distribuição de fitas VHS com clipes de trilhas do filme pela Revista Videogame, da Editora Sigla, com patrocínio da Brahma, para divulgar o refrigerante Sukita.

Revista Videogame 49, com a VHS de Street Fighter- Acervo Cleber Marques

O filme em questão é odiado ou amado, mas o objetivo aqui não é abrir uma discussão crítica sobre nenhuma obra. É inegável, entretanto, que foi um dos maiores sucessos de bilheteria da Columbia, tendo sido apenas superado em público, até aquele ano, por Batman – O Retorno (1992), com a ressalva que Batman havia sido exibido em um número de salas dez vezes maior que Street Fighter. Naquele ano, 1995, o tema do nosso stand na SALEX – o principal evento do setor de diversões públicas – foi o filme. Como já contei anteriormente, recebemos inclusive figurinos originais utilizados na filmagem!

Nossa participação no lançamento de Street Fighter – A Última Batalha, porém, restringiu-se a parcerias promocionais. Não tivemos nenhum envolvimento com os assuntos relacionados à distribuição ou à exibição, o que para mim e meus colegas ainda era uma “caixa preta”, como costumávamos dizer quando conhecíamos muito pouco ou nada sobre algum assunto.

Meu grande desafio profissional aconteceria poucos meses após esse lançamento. Em uma manhã, Ron Czerny, vice-presidente da Romstar do Brasil, entrou na sala do Marketing, dirigiu-se à nossa bancada, colocou uma fita VHS à minha frente e disse, com toda a objetividade e brevidade que lhe eram peculiares: “Silvio, tudo bem? Precisamos colocar este desenho na TV”.

Num primeiro momento, achei que ele estivesse falando do televisor na recepção, ou seja, que aquela fita deveria ficar rodando no VCR do saguão de entrada. Mas ele prosseguiu e esclareceu: “Esta animação é uma coprodução da Capcom, está fazendo muito sucesso lá fora e querem que seja exibida no Brasil também”.

Disfarçando ao máximo minha surpresa e perplexidade, respondi apenas: “Está bem. Vou correr atrás disso”. Obviamente, eu não tinha a menor ideia de como um desenho ia parar na TV. Ah! Em tempo: estamos falando de Mega Man, a coprodução Japão-EUA – Capcom e Ruby Spears.

Ele é puro aço, Mega Man – Internet

Ron saiu da sala e eu fiquei lá, com a fita nas mãos, pensando em como fazer para que aquele desenho fosse ao ar. A primeira coisa que fiz, é claro, foi assistir ao episódio – que era o primeiro da série – para saber do que se tratava. Em seguida, totalmente inexperiente no assunto, peguei a lista telefônica, procurei os números das emissoras de TV de São Paulo e comecei a ligar, sem sequer saber com qual departamento eu deveria falar. Eu explicava para as telefonistas que tinha um desenho que precisava ser colocado no ar e que queria saber se a emissora tinha interesse. Até dei sorte de ser atendido em alguns casos, mas esses contatos acabaram não passando de uma promessa de retorno de ligação jamais cumprida.

Finalmente, tive um “estalo”, daqueles que nos fazem dizer: “Como eu não pensei nisso antes?”. Eu tinha o cartão de uma das assessoras de imprensa da Columbia, com quem havíamos trabalhado na promoção de Street Fighter – A Última Batalha. Liguei para ela para perguntar se podia me dar “uma luz”. Ela me deu o número de outra pessoa da Columbia, que poderia me ajudar, e eu liguei imediatamente. Conversei com essa pessoa, que me explicou que o grupo tinha empresas diferentes: uma Columbia que cuidava apenas de cinema – onde ela trabalhava -, outra para TV, e havia uma parceria com a LK-TEL para distribuição de fitas VHS com o selo Columbia Home-Video.

Essa pessoa me explicou que eu deveria procurar a Columbia TV, em São Paulo, e conversar com Octavio. Eu liguei e fui muito gentilmente atendido por Octavio, que disse que eu poderia ir conversar pessoalmente no dia seguinte e apresentar o material.

Octavio era Octavio Peixoto, diretor de operações, segundo homem na hierarquia da Columbia TV, que me recebeu com toda a paciência e gentileza do mundo e passou horas me explicando como funcionava aquele mercado e tudo o que acontecia até uma produção ir ao ar. Ele assistiu ao episódio inteiro, identificou elementos que indicavam potencial de sucesso e chamou à sala outro diretor – Nelson Duarte – e o presidente da Columbia na época, Dorien Sutherland. Dorien disse a Octavio que providenciasse uma proposta de distribuição.

Material da Capcom licenciado pela Romstar – Acervo Silvio Puertas

Eu saí radiante do prédio onde a Columbia ficava, na Rua Santa Isabel, bairro de Santa Cecília, e no dia seguinte enviei para Ron um fax com o relatório do encontro, descrevendo também tudo o que precisaria ser providenciado caso uma emissora adquirisse os direitos de exibição da série.

Quanto às especificações técnicas Octavio explicou que cada episódio precisaria ser fornecido em uma fita matriz em formato BETACAM-SP, sistema de cor NTSC (o sistema PAL-M era usado para a transmissão, mas não para a gravação das fitas); as fitas deveriam conter uma trilha de áudio apenas com música e efeitos sonoros (M&E) para que pudesse ser feita a mixagem (mistura) com as vozes em português no processo de dublagem; deveria ser fornecido roteiro (script) completo ou lista de diálogos; e, idealmente, tudo deveria vir de uma vez, para otimização de custos de dublagem e tráfego.

Octavio explicou também que a dublagem poderia ser providenciada por eles (distribuidora), por nós (produtores/proprietários do conteúdo), ou pela emissora de TV (exibidora), dependendo do tipo de contrato que fosse celebrado. A propósito, esta é a explicação de por que redublar filmes e outras produções. O motivo é que algumas vezes a dublagem é providenciada – e paga – pela exibidora (a emissora de TV), e quando o prazo contratual expira e o filme passa para as mãos de uma outra emissora, esta precisará providenciar uma nova dublagem. Outros motivos incluem a atualização de tecnologia de áudio, por exemplo.

Com relação aos aspectos burocráticos, seria feito um contrato de exibição com validade de N anos e direito a N reprises a serem definidos. Eu aprendi também que havia intervalos para um produto ser lançado em uma mídia diferente. Um lançamento de cinema ficava seis meses apenas nas salas de cinema, depois ia para home-video e pay-per-view, após mais seis meses ia para a TV a cabo convencional e somente então para a TV aberta, para que houvesse tempo adequado de exploração comercial em cada veículo.

Na prática, uma produção era exibida na TV aberta somente cerca de dois anos após seu lançamento no cinema. Atualmente, esse intervalo é bem menor – quando existe! Bem, incluí esta informação a título de curiosidade, pois Mega Man foi lançado diretamente na TV e depois seriam lançadas as fitas VHS, diferentemente de produções feitas inicialmente para cinema.

Fitas VHS do desenho Mega Man – Acervo Cleber Marques

Poucos dias após a assinatura do contrato de distribuição de Mega Man com a Columbia, recebemos a boa notícia de que o SBT havia adquirido os direitos de exibição. Não havia uma data estipulada para a estreia, mas eu já tive a sensação de missão cumprida. Começamos a planejar então como poderíamos explorar a exposição do personagem em termos de licenciamento, tendo entretanto como dificuldade a grande incógnita com relação à data de estreia, sobre a qual não tínhamos como exercer nenhum controle, pois a emissora poderia simplesmente “engavetar” o produto se assim desejasse, uma vez que os custos dos direitos já estavam pagos. Isso era um problema, pois dificilmente uma empresa investiria na fabricação de produtos com um personagem licenciado sem saber quando ele ele estaria em evidência.

Quando ainda nos preocupávamos com a indefinição da data de estreia de Mega Man, aconteceu um fato muito importante. Recebi uma ligação de Octavio, contando que tinha recebido uma ligação de Silvio Santos perguntando se tínhamos algum produto que se assemelhasse a Cavaleiros do Zodíaco, que estava “estourado” em audiência, como se dizia na época.

Eu consultei a Romstar Inc., que por sua vez consultou a Capcom, e ficamos sabendo da produção de uma nova série chamada Street Fighter II Victory. Repassamos a informação à Columbia que, com base no sucesso obtido por Street Fighter – A Última Batalha, disse a Silvio Santos que tínhamos um produto “de ouro” nas mãos. Silvio Santos nem quis saber do que se tratava exatamente, e delegou a aquisição imediata dos direitos a seus diretores, dessa vez estipulando uma data de estreia bastante próxima. Devo confessar aqui que nós também não tínhamos visto o produto. Ou seja, foi um produto adquirido às cegas em todas as pontas.

Lembra-se dos requisitos que eu mencionei alguns parágrafos acima, para a colocação de um produto audiovisual no ar? Quase nenhum deles foi cumprido no início. Felizmente, no final, tudo saiu melhor que o esperado, mas com uma boa dose de sufoco. Primeiro, em função de uma série de trâmites burocráticos, as primeiras fitas demoraram muito para virem do Japão até as nossas mãos. Quando chegaram, vieram apenas alguns episódios (três, se não me engano), em formato Sony D-1 – também chamado de componente digital 4:2:2 – e precisaram portanto ser convertidas a um preço caríssimo para BETACAM-SP, para só então poderem ser feitas as cópias de trabalho para tradução, direção de dublagem, para que nós, da Romstar, finalmente conhecêssemos o produto.

Street Fighter II Victory – Internet

O primeiro episódio foi dublado “a toque de caixa” pelo estúdio Megasom, sob direção de Nelson Machado. As versões em português das canções de abertura e encerramento foram gravadas na madrugada do dia da estreia, e não havia playback, ou seja, foi necessário refazer toda a parte instrumental com uma banda real tocando. O vocal ficou por conta da saudosa Elisa Villon, e a produção musical foi do também saudoso Hélio Santisteban. A gerente de tráfego da Columbia, profissional encarregada pelo controle do processo de localização e movimentação física dos produtos audiovisuais, acompanhou as gravações e a mixagem final do episódio, para sair do estúdio com a fita e levar diretamente para o SBT.

Algumas vezes as fitas chegavam sem trilha de música e efeitos separada, e era necessário pedir outras com urgência para que pudesse ser feita a mixagem dos episódios. Eu recebia as caixas com as fitas, corria para entregar pessoalmente na Columbia (por questão de segurança), para que a Columbia, por sua vez, entregasse ao estúdio. Aos poucos, o recebimento do material original do Japão foi “entrando nos eixos” até a conclusão da dublagem dos 26 episódios regulares e 3 especiais. Apenas para dar um “saborzinho” a mais no processo, a Megasom fechou as portas no meio da dublagem, o que felizmente não chegou a afetar o prazo de entrega, pois o trabalho migrou a tempo para a Master Sound.

A série fez um sucesso fenomenal e abriu as portas para outras produções baseadas em jogos da Capcom aqui no Brasil.

E Mega Man? Mega Man ficou “dormindo” no SBT por vários meses antes de fazer sua estreia, sem muitos avisos.

Depois vieram as séries Street Fighter – The Animated Series (da InVision Entertainment) e Darkstalkers (Graz Entertainment). Contudo, o processo para essas duas séries já foi mais “suave”, pois já tínhamos o know-how após tantas dificuldades com Victory.

Todas as produções aqui citadas foram lançadas em fitas VHS, sendo que algumas foram distribuídas em promoções de jornais e outros veículos.

Fitas VHS do desenho Mega Man – Acervo Cleber Marques

Deixei para o final o relato sobre a exibição do longa-metragem de animação Street Fighter II: O Filme, produzido em 1994, que conhecemos inicialmente por meio do pessoal da Orcade (Organização Cultural de Animação e desenho).

Foi atendendo a um pedido de Sérgio Peixoto, presidente da Orcade, que procuramos viabilizar a vinda desse produto ao Brasil. Na minha modesta opinião, esta é a produção audiovisual mais fiel aos personagens originais. Antes de trazê-la ao Brasil, fizemos exibições experimentais na Gibiteca Henfil – o ponto de encontro da Orcade – e em outros vários eventos, sempre com grande sucesso.

As negociações de exibição no Brasil foram feitas no exterior e, infelizmente, talvez como único ponto negativo na história específica deste produto por aqui, a divisão de cinema da Columbia contratou serviços de dublagem em Miami e o resultado ficou muito aquém das expectativas, o que foi corrigido quando o filme foi lançado para home-video, sendo dublado pela mesma equipe responsável pelos produtos anteriores baseados em Street Fighter.

Exibição do desenho pela Orcade – Acervo Silvio Puertas

Bem, isso é o que eu gostaria de contar. Espero que tenha satisfeito a curiosidade que talvez você tivesse sobre como um produto audiovisual vai parar na TV (ou outra mídia).

Em resumo, uma produtora ou grupo de produtoras associadas produz um filme (ou série), assina um contrato com uma empresa distribuidora, a distribuidora oferece o produto para veículos de exibição (emissoras e exibidoras cinematográfica), é feita a localização do produto (dublagem e/ou legendagem) respeitando-se uma série de normas técnicas, e a exibidora tem direitos de exploração do produto por um certo período de tempo, podendo renovar esses direitos por mais um determinado período ou abrir mão da renovação, caso em que os direitos de exibição passam para outra empresa.

Em termos de remuneração, a distribuidora recebe uma comissão pelo serviço de intermediação e administração. E, assim como em outros ramos que envolvem intermediação, é possível haver subdistribuidoras e sub-representantes na cadeia deste negócio.

Mais uma vez, espero que tenha trazido alguma informação interessante e já deixo o convite para que você leia minha próxima publicação.

Até lá!