A todo momento vemos jogos independentes sendo lançados para consoles antigos e o Nintendinho, claro, não fica de fora dessa não. Jogos novos, modificações, melhorias em jogos antigos e muito mais. Mas, e um port do arcade para 8-bit? Isso não é todo dia que a gente vê.
Por isso que chamamos Mário Azevedo para um bate-papo, ele está desenvolvendo um port de The Simpsons Arcade Game para o NES e está ficando incrível. Dá uma conferida que a conversa foi muito boa.
1 – Como surgiu a ideia para esse projeto?
Mário – A ideia em si existe desde quando o Bart vs. Space Mutants foi lançado. Muita gente esperava que fosse um port do arcade, eu incluso. O hype do arcade game era tanto que eu lembro exatamente o que estava fazendo no dia em que meus pais compraram o jogo do NES. Perguntei: “é igual ao do fliper?”. Não era, mas joguei até o fim assim mesmo. Era um jogo dos Simpsons!
Pulando para 2021 eu criei um ROM hack de Teenage Mutant Ninja Turtles 2 do NES adicionando um menu de opções com escolha de dificuldade e outras melhorias. Para isso tive que rejogar bastante o jogo das tartarugas, e aí essa indagação voltou à tona, já que ele é um jogo licenciado da Konami que teve port do arcade para o NES.
Como se sabe, na época a Acclaim era detentora dos direitos de uso da marca Simpsons nos consoles, e pelo visto não houve um interesse entre as duas empresas para firmar um acordo e fazer o port acontecer. Daí então eu fiz um post no Twitter com uma montagem rápida simulando o resultado e a recepção foi incrível, o que me motivou a continuar.
2 – Qual a maior dificuldade pra fazer essa adaptação?
Mário – Com certeza é gerenciar a quantidade colossal de quadros de animação dos personagens. Por exemplo, contando apenas o gameplay do Bart já são 127 quadros, sem falar nos ataques combinados! Jogos grandes no NES eram feitos por equipes experientes, trabalhando em tempo integral. Temos ferramentas hoje que facilitam bastante, mas ainda assim é muito trabalhoso.
O código em Assembly fica embaralhado facilmente em um jogo dessa magnitude. São necessários muita organização e planejamento. Outra dificuldade peculiar é desenhar o cabelo da Lisa no tamanho dos sprites no NES, e com contorno. Surpreendentemente desafiador.
3 – Você está se baseando em algum jogo ou está criando do zero?
Mário – Basicamente é do zero, em Assembly, com o uso de algumas bibliotecas. O compilador é o ca65. Usei como ponto de partida o meu projeto de estudo de programação Assembly para o NES, que por sua vez era baseado no exemplo mínimo de código ca65 disponibilizado pelo Brad Smith.
Para a parte sonora estou utilizando a engine de som Famitone 5, que é uma versão adaptada pelo Douglas Fraker da engine originalmente programada pelo Shiru.
4 – Quais ferramentas você utiliza no projeto?
Mário – Na programação uso o Sublime Text 3. Para debugar utilizo o FCEUx por estar mais acostumado com esse emulador, mas às vezes uso o Mesen pois este tem algumas funcionalidades incríveis para desenvolvimento.
Na parte gráfica eu preparo os sprites no Photoshop, jogando em seguida para o yy-chr onde já crio os binários dos tiles para serem usados no NES. Para os cenários uso o NEXXT feito pela Ellen (FrankenGFX), que é uma versão mais nova do excelente NESST do Shiru.
Para as cutscenes tenho utilizado o OverlayPal do Michel “Bananmos” Iwaniec, que ajuda em alguns passos na otimização de telas estáticas para as limitações do NES.
No entanto, a quantidade de arte no jogo é tanta que vi a necessidade de desenvolver uma ferramenta para gerenciar tudo. Eu criei em GML um software de criação de arte para o NES, chamado NES Assets Workshop (NAW).
Estou melhorando essa ferramenta para poder juntar e organizar toda essa parte gráfica do projeto, automatizando pelo menos a geração de código da biblioteca de assets e facilitando a produção da arte em si. Esperem novidades sobre o NAW em breve!
5 – Será um projeto de fã ou você tem outros planos pra essa iniciativa?
Mário – É apenas um projeto de fã! É claro que Simpsons é marca de terceiros. Estou apenas unindo o útil ao agradável, já que nunca fiz um jogo de NES completo. O retorno do público no Twitter me motiva a continuar, e no final das contas terei uma boa engine em assembly para fazer outros jogos. No futuro abrirei um Patreon para esses projetos pessoais de NES.
6 – Será que o NES vai aguentar uma adaptação fiel ou será preciso ajustar muita coisa?
Mário – Eu estou utilizando o maior mapper oficial do NES, o MMC5. Esse mapper não é recomendado para homebrews pois é de difícil reprodução física. Mas para esse port é necessário utilizar algum mapper avançado assim pois além de permitir bastante armazenamento ele permite também que sejam exibidos muitos personagens diferentes na tela simultaneamente.
Tecnicamente falando ele permite troca de CHR (tiles) de 1K e permite que sprites tenham acesso a 8K CHR sem necessidade de truques raster, ao invés dos tradicionais 4K. Então cada personagem tem seu espaço dedicado de 1K na página de 8K da tela e podem assim ter suas animações próprias sendo exibidas independentes.
Como 1K precisa ser reservado para efeitos e itens o resultado é a possibilidade de 7 personagens distintos simultâneos na tela.
Mesmo assim acredito que não seja possível portar 100% dos gráficos do arcade. São muitos quadros de animação. A ideia é manter a maior parte deles, priorizando os que são mais utilizados como caminhada e golpes.
Além disso os gráficos foram redimensionados para 75% do tamanho original para se adequarem melhor às limitações da plataforma. Idealmente os personagens tem de 2 a 3 tiles de largura, possibilitando que 3 personagens se posicionem lado a lado sem causar o flicker, já que o NES tem limite de 8 sprites por scanline.
Vale lembrar também que uma das maiores limitações do sistema é a sua paleta de cores. Mais precisamente quantas podem ser usadas simultaneamente. Nesse quesito não tem jeito, cabe ao artista usar as cores de maneiras criativas para maximizar a riqueza visual na tela.
7 – Quando pretende lançar o game completo?
Mário – Como estou desenvolvendo antes o NAW eu diria que, provavelmente, é para o final de 2022 ou começo de 2023. Enquanto isso vou fazendo mais adaptações dos gráficos para já deixar essa parte preparada.
Por exemplo o background da fase 1 já está pronto, e várias telas da introdução do jogo já estão preparadas também, com os perfis dos personagens. Sigam-me no twitter para acompanhar o andamento do port!
SOBRE O ENTREVISTADO
Mário Azevedo é designer formado em Programação Visual pela UFRJ. Começou sua carreira profissional como artista técnico de Archviz em 2001. Transferiu seu foco para a área de games em 2004 e atuou em diversas empresas no estado do RJ.
Notavelmente como modelador e animador de personagens no Capoeira Legends, como game designer no Jogo do Tiririca e game designer / diretor de arte no Chromabot. Membro ativo da cena de tool-assisted speedruns (TAS) nos seus primórdios, passou a fazer ROM hacks mais tarde, sendo seus mais famosos o Super Pitfall 30th Anniversary Edition e The Real Ghostbusters Remastered.
Recentemente produziu e lançou em parceria com a QUByte Interactive o jogo Super Hiking League DX para Nintendo Switch, Xbox e Playstation, além de versão Windows pela Steam através de sua empresa Bit Ink Studios.